No âmbito da Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, vem o legislador adequar o Estatuto da Ordem dos Advogados, doravante denominado apenas EOA, às normas previstas neste diploma. Assim, através da Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro, são introduzidos no ordenamento jurídico português novas obrigações que vinculam as sociedades de advogados, os advogados, os advogados estagiários e, por vezes, todas estas figuras da Administração da Justiça em simultâneo.
De qualquer modo, por agora, apenas vamos focar a nossa análise nas obrigações das Sociedades de Advogados ao abrigo do novo EOA. Nos termos do EOA, há obrigações que se aplicam às sociedades de advogados e, analogicamente pela sua natureza e ratio legis, ao Advogado e Advogado Estagiário. Por esta via, o legislador consolida os deveres das Sociedades de Advogados na sua actuação como associação pública profissional que comparticipa no sistema judicial. Porém, não se limita a regular apenas a Sociedades de advogados e a sua actividade, vai mais além e desenvolve princípios com aplicação efectiva a todas as figuras que participam na “vida judicial” das sociedades.
A Lei n.º145/2015 de 9 de Setembro regula, no seu Capítulo VI, as sociedades de advogados, todavia podemos encontrar obrigações e deveres a cumprir em todo o diploma. Iremos iniciar a análise das obrigações das Sociedades de Advogados. Em primeiro lugar analisaremos as obrigações que se encontram fora deste capítulo, por se tratarem de regras que têm aplicação ampla, na medida em que tanto vinculam a sociedade, como o advogado e advogado estagiário.
Obrigações Equiparadas
O Título III, Capítulo I, artigo 94º, do diploma referenciado supra, versa quanto à informação e publicidade. O n.º1 do artigo 94º ab initio indica que:” Os advogados e as sociedades de advogados podem divulgar a sua actividade de forma objectiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência.” Ora, o início da norma determina quem são os sujeitos jurídicos (advogados e sociedades de advogados) a quem se aplica, para de seguida indicar o modo como estes agentes podem divulgar a sua actividade profissional: de forma objectiva, verdadeira e digna. Estes conceitos a aplicar na conduta profissional são desprovidos de preenchimento jurídico, e, por esse motivo, o legislador no n.º2, do artigo 94º do EAO, vem dar o necessário preenchimento jurídico a estes conceitos. Na segunda parte do artigo 94º, n.º1, do EAO, os sujeitos jurídicos estão vinculados ao direito positivo(deveres deontológicos, segredo profissional e normas legais sobre publicidade e concorrência).
A fim de ilustrar de forma concreta a liberdade de actuação das sociedades, iremos analisar algumas das obrigações que são veiculadas no n.º2, do artigo 94º da EOA na qualidade de informação objectiva:
- A alínea a) determina que o advogado ou sociedades se podem identificar pessoal, académica e curricularmente;
- A alínea c) permite a indicação da morada do escritório ou de outros escritórios localizados em outras áreas;
- A alínea e) determina que se pode anunciar as áreas de prática ou matérias jurídicas de exercício preferencial; sendo complementada pela alínea f) pela permissão para fazer referência à especialização;
- Os cargos que exerça na Ordem dos Advogados podem igualmente ser publicados, nos termos da alínea g);
- Os meios de contacto disponíveis para que possa ser contactado, de acordo com a alínea i); e, caso disponha de website, poderá anunciá-lo publicamente, conforme a alínea l);
- A alínea m) autoriza a colocação de tabuleta no exterior do escritório.
O n.º 3, do artigo 94º do EAO, vem apresentar os actos que são considerados efectivamente de prática lícita, iremos ver, a título de exemplo, os que nos parecem mais importantes:
- Utilização de cartões que contenham informação objectiva, alínea b);
- Menção da condição de advogado, acompanhada de nota curricular, de acordo com a alínea e);
- Publicação de brochuras, escritos, circulares, artigos periódicos sobre temas jurídicas, podendo assinar como advogado, nos termos da alínea g);
- Pode mencionar assuntos de cariz profissional que integrem o currículo profissional de advogado, desde que não refira o nome do cliente, salvo excepção, ao abrigo da alínea h);
- Referência a cargo público que tenha exercido ( alínea i));
- Menção da composição e estrutura do escritório, conforme versado na alínea j).
Já o n.º 4, do artigo 94º do EOA determina de forma taxativa os actos ilícitos de publicidade, sendo de considerar relevantes os que seguem abaixo indicados:
- A colocação de conteúdos persuasivos, de autoengrandecimento e comparação, nos termos da alínea a);
- A menção à qualidade do escritório, alínea b);
- A promessa da produção de resultados, de acordo com a alínea d).
Por último, o nº 5 do artigo objecto de análise versa no sentido de se aplicarem todas estas normas tanto ao advogado a título individual, como às sociedades.
Por outro lado, o artigo 99º do EOA regula a matéria do conflito de interesses, onde a matéria se mantém essencialmente inalterada face ao anterior EOA.
Como o escopo deste trabalho são as sociedades de advogados, teremos de iniciar a análise deste artigo pelo seu nº 6, na medida em que é este que vem aplicar os restantes números do preceito ao exercício da advocacia em associação, sob a forma de sociedade ou não.
À luz do novo EOA, o conflito de interesses é matéria ampla e que, salvo melhor opinião, foi regulada de forma muito tímida pelo legislador.
O nº1 do artigo 99º do EOA prevê que o advogado não possa patrocinar causa em que já tenha intervido em qualquer outra qualidade ou que seja conexa com outra que represente.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o advogado deve recusar patrocínio contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente.
De acordo com o n.º 3, não pode o advogado aconselhar, representar ou agir por conta de mais clientes se existir conflitos de interesse.
Caso exista conflito de interesses entre um ou mais clientes, bem como se ocorrer violação do segredo profissional ou diminuição de independência, deverá cessar o patrocínio judiciário a todos os clientes, conforme versado no n.º4.
Se um novo cliente colocar em causa o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional de outro cliente, deverá o advogado recusar tal causa, de acordo com o nº5.
Ainda fora do Capítulo VI do EOA e no domínio das receitas da Ordem dos Advogados, dispõe o Título VI do EOA, no seu artigo 179º, n.º 1, que uma das novidades para as Sociedades de Advogados é a introdução da obrigatoriedade do pagamento de quotas mensais para as sociedades de advogados, obrigação essa que não existia até à data.
O n.º 2 do mesmo artigo determina que, o não pagamento de quotas por prazo superior a 12 meses, deve ser comunicado ao conselho competente (consoante a região geográfica) para efeitos de instauração de processo disciplinar à sociedade devedora.
O legislador, todavia, apesar de prever a instauração de procedimento disciplinar, vem no nº 3 do artigo em análise admitir a extinção do procedimento disciplinar e da sanção caso a sociedade proceda ao pagamento dos montantes em dívida pelas quotas. Assim, é irrelevante a fase do processo disciplinar em que nos encontremos porque o pagamento irá culminar na extinção do processo, caso estejamos na pendência do mesmo, ou da sanção, caso a decisão do conselho competente já tenha sido tomada.
A fim de aumentar a celeridade executória em matéria de incumprimento da obrigatoriedade de pagar quotas, vem o n.º4 indicar que a certidão de dívida de quotas emitida tem força de título executivo.
Obrigações Específicas
Após análise aos deveres e obrigações equiparados dos advogados às sociedades de advogados, vamos agora analisar o Capítulo VI do EAO, que se inicia no artigo 213º. O nº 1 do artigo 213º determina que os advogados podem exercer a profissão constituindo ou ingressando em sociedades de advogados, como sócios ou associados.
Outra das novidades do novo EOA é a possibilidade de, para além dos Advogados, outras entidades se poderem tornar sócias. Vindo, deste modo, o n.º2 esclarecer que entidades podem ser sócias de uma sociedade de advogados:
- Sociedades de advogados previamente constituídas e inscritas na OA;
- Organizações associativas de profissionais equiparados a advogados constituídas noutro Estado-Membro da U.E. cujo capital e direitos de voto caiba maioritariamente aos profissionais em causa.
Nos termos o n.º 4, as sociedades de advogados gozam de direitos e deveres, estando sujeitas aos princípios e regras deontológicos versados no EOA e ao poder disciplinar da OA.
Quanto aos membros de orgão executivo das sociedades de advogados, mesmo que não actuem na qualidade de advogados, é relevante o facto de estarem adstritos ao respeito pelas regras e princípios deontológicos, autonomia técnica e científica, de acordo com o nº6. Trata-se de novidade no EOA, trazendo mais segurança jurídica às decisões tomadas pelos players em sociedades grandes ou consorciadas.
É expressamente proibido, nos termos do n.º 7 do EOA, às sociedades de advogados exercer actividade em qualquer tipo de associação ou integração com outras profissões, em actividades e entidades cujo objecto social não seja exclusivamente o exercício da advocacia. Continuando-se, deste modo, a proibir actividades multidisciplinares.
As sociedades de advogadas, em matéria de constituição e funcionamento, estão sujeitas ao regime das associações públicas profissionais. Mantendo-se, assim, o estabelecido no regime anterior.
Aquando da sua constituição, as sociedades de advogados devem optar o regime de responsabilidade por dívidas sociais a adoptar, existindo dois regimes disponíveis: Responsabilidade ilimitada sob a sigla (RI) ou Responsabilidade limitada sob a sigla (RL).
Esclarece o n.º 12 que, quanto às sociedades de responsabilidade ilimitada, os sócios respondem pessoal, ilimita
da e solidariamente pelas dívidas sociais. Todavia, vem o n.º 13 deste artigo restringir o âmbito da responsabilidade, na medida em que os credores da sociedade só podem exigir aos sócios o pagamento de dívidas socais após a prévia excussão dos bens da sociedade.
Em conclusão, quando a sociedade optar pela responsabilidade ilimitada há responsabilidade solidária, contudo o credor terá de atacar processualmente em primeiro lugar o património da sociedade e só, em segundo lugar, poderá atacar o património dos sócios.
O n.º 14 opera aos mesmos esclarecimentos que os n.ºs 12 e 13, porém, desta vez, para as sociedades de advogados com responsabilidade limitada. Assim, neste regime, apenas a sociedade responde pelas dívidas sociais, até ao limite do seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Ainda dentro da temática da regulação das sociedades de advogados, o legislador considerou essencial para a alteração do contrato de sociedade a aprovação por maioria de 75% dos votos expressos, nos termos do artigo 216º, mantendo-se a regra plasmada no antigo EOA. Mantendo-se a regra do artigo 38º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 229/2004.
Outra obrigação da sociedade, com natureza de carácter informativo, consiste na firma da sociedade e o regime de responsabilidade terem de constar da correspondência e de todos os documentos da sociedade e dos escritos de todos os intervenientes na sociedade, desde que exerçam a advocacia, ao abrigo do artigo 218º, n.º 1. Tal requisito não se aplica a secretárias, a título de exemplo.
O nº2 do mesmo artigo admite o uso de denominações abreviadas com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade, bem como de logótipos, sujeitos a provação.
Em traços gerais estas são as principais obrigações a que as sociedades de advogados estão adstritas nos termos do EOA, sem carácter exaustivo.
Bernardo Costa Fernandes